domingo, 16 de maio de 2010

Confiança

Sampaio tinha vinte e seis anos e desde criança era viciado em algo que não apetecia seus progenitores. Eles desejavam ter a presença de um adorado médico na família, mas acabaram tendo um mero viciado em números, chamado pela crise de economista. Sampaio já nascera um homem frio, julgava desnecessário qualquer contato físico, não importava-se em manter relações sociais e mais do que nunca desejava comprar uma ilha deserta,mesmo que fosse no meio da cidade.Conhecera a enfermeira Cibele ao conseguir um emprego no setor financeiro de um hospital;ele entrevistara centenas de moças,mas apenas aquela era ardente o suficiente para fazê-lo errar nas contas.

Cibele foi designada para permanecer no quarto de Jaime, um jovem de dezessete anos. Ela deveria contar-lhe o que acontecera aos seus pais e controlá-lo quando ele percebesse a sua deficiência, cuja causa havia sido a mediocridade humana. Seu pai, amado e respeitado pela bíblia, cortou-lhe os braços quando o justo filho interpôs-se entre a mão de seu gerador e a face da mulher mais santa da terra. O cheiro do sangue alucinógeno misturou-se aos apelos guturais da mãe, fazendo com que Jaime acordasse na cama de um hospital. As retinas não ajudavam e suas pernas latejavam. Foi assim que o jovem ouviu apavorado uma enfermeira contar-lhe a sua própria história. O pai, condenado pela bíblia, espancou as pernas do filho enquanto a mãe corria para a rua clamando por socorro, mas logo o amado marido rasgaria as suas cordas vocais... para sempre.Ele já fora preso e logo a comoção da massa condenaria-o a trinta e cinco anos de clausura.A mãe estava sendo lavada,vestida com um belo vestido de seda que nunca usara e logo receberia uma fraca maquiagem.

Sampaio teve que conhecer Jaime após dois meses de sua estadia no hospital. O jovem perdera a única família que possuía e o setor financeiro encontrava-se em um impasse: ceder à solidariedade humana, tratando gratuitamente do novo deficiente ou transferi-lo a um hospital público. Sampaio cedeu não apenas à solidariedade mas primeiramente aos números,já que tratar gratuitamente de um deficiente era uma feliz publicidade.Assim,Cibele continuou sendo a principal enfermeira de Jaime,conservando por ele uma simpatia.

Jaime conversava pouco com Cibele, apesar de vê-la todo o tempo que passava acordado. A moça era bem solitária e apenas ouvia seus lamentos, limitando-se a opinar de vez em quando. Mas, apesar disso, o coração do rapaz tornou-se verdadeiramente dela e a visão de ambos, trocando juras de amor, o fez ter vontade de viver. Cibele, indiferente, não confiava em ninguém, por isso não apaixonava-se,mas via em Sampaio o parceiro ideal para o cumprimento de suas necessidades biológicas.Então,o desejo e a necessidade misturaram-se,Sampaio e Cibele,o casal secreto do hospital.Não houve encontros,nem rodeios,as palavras trocadas foram claras e simples,pronto.Mas Cibele era como Capitu com seus olhos de cigana oblíqua,despertava algo inumano nos homens e fez o mesmo com Jaime,sem ao menos perceber.

Com um ano de deficiência, as pernas de Jaime já não mostravam nenhum sinal de violência, apenas os seus braços permaneciam ausentes. Naquela manhã ele diria à Cibele que amava-a e pediria-a em casamento.Sim,o jovem era sonhador e,portanto,precipitado,mas ninguém podia tirar aquele sentimento de suas entranhas.Naquela hora a moça estaria no refeitório e ele iria surpreendê-la,expondo,enfim,toda a sua motivação de viver.Mas a moça não estava lá,então ele foi perguntar a Sampaio a localização dela,afinal Sampaio era gentil com ele.Então Jaime presenciou não só um cena anti-ética,mas o ato que desgraçou a sua existência.Sampaio e Cibele amavam-se na sala,esquecendo-se da existência do deficiente.Jaime já fora forte demais,não iria aguentar perder mais uma pessoa amada.Não restou-lhe opção,era a Seleção Natural escolhendo o calculista e restava a Jaime a janela,larga e aberta.Então ele foi corajoso pela segunda vez em sua vida e correu,abusando de suas pernas sadias.Conseguiu pular do quinto andar sem que ninguém o impedisse.A cena da tragédia brasileira repetia-se,o rubro sangue lavando a calçada,um menino sem braços esmagado e a imprensa lucrando.As donas-de-casa chorariam naquele dia,mas logo confiariam demais em seus lúcidos esposos.

Sofrimento e Desespero

José Sofredor da Silva parou de estudar para trabalhar como pedreiro,assim como seus antepassados,pois sua família implorava por alimento e alegria. Aos quinze anos teve sua castidade violada por filhos bêbados da classe alta. Aos trinta anos, já caquético, conheceu Maria Desespero Santos, uma nordestina que morava na favela, assim como ele. Após alguns encontros em lugares baratos, Sofredor e Desespero casaram-se, não por amor, mas apenas para terem as suas necessidades biológicas cumpridas. Sofredor perdeu o emprego e, para piorar, Desespero estava grávida de gêmeos, então tiveram que se mudar da casa para um barraco no morro da favela.

Sofredor era sempre surpreendido por traficantes que queriam transformá-lo em um deles, mas como era honesto, nunca aceitava. Então, dias depois da família se mudar para o barraco, Sofredor resolveu procurar outro emprego, de qualquer outra coisa. Após um longo dia de procura sem respostas, Sofredor volta para seu barraco e se depara com a cena de sua mulher aos berros, extremamente nervosa, pois fora estuprada pelo maior traficante da favela. Sofredor tenta acalmá-la, mas diz apenas sons guturais misturados a sua aflição. Ele deseja pegar a faca mais afiada que possui e enfiá-la no estômago do traficante, mas Desespero (pobre Desespero!) conta-lhe um plano que ele aparentemente discorda, mas depois, pensando melhor, vê que sua mulher expôs a solução. Desespero é demitida no dia seguinte, pois sua patroa não quer uma negra grávida trabalhando em sua casa.

Sofredor, seguindo o plano de sua mulher, vira um traficante, aprende a atirar e logo começa a testar sua nova habilidade em corpos inocentes. Ele nunca ganhara tanto dinheiro em toda a sua vida. Seus filhos nasceram e cresceram tendo o leite de cada dia. Desespero não reconhecia mais Sofredor, mas, apesar de não concordar com as suas ações, adorava o dinheiro que ele levava para a casa. Assim os anos passaram, Desespero cuidava dos filhos e Sofredor tentava poupar a sua alma. Ele,assim como Desespero,nunca vira a justiça ser feita na Terra, pelo menos para os pobres, que eram sempre massacrados pelos esnobes ricos. Estava tudo muito bem, apesar de Sofredor derramar tanto sangue ingênuo todos os dias, mas tudo o que é bom dura pouco e não acaba cedo.

Um grande tráfico havia chegado à favela e seria distribuído para a cidade pelos traficantes, que só queriam garantir o seu lugar no mundo. Então,quando todos estavam reunidos,a polícia invadiu a favela em grande número, caçando os traficantes e suas famílias. Sofredor sabia que morreria se lutasse, pois não era tão bom quanto os outros. Seu coração batia aceleradamente. Pensou em toda a sua vida, em toda a injustiça que sofrera, em todo o sofrimento que ganhara. Largou as armas e correu para o seu barraco, em meio ao tiroteio. Tirou sua mulher e seus filhos de lá, estavam todos descendo o morro, quando três policiais começaram a persegui-los. Ouviu três tiros e o impacto na cabeça dos dois filhos e da mulher. Virou-se e viu a cena que desgraçou a sua vida, o rubro sangue jorrava, imaculando a terra. Sofredor pensou em ficar e morrer ali, como as pessoas que mais amava, mas fugiu, talvez por medo ou talvez por esperança, que era tudo o que tinha sobrado a ele. Conseguiu sair com vida e foi para outra favela, em busca de mais sangue, de mais justiça, pois a terra dava o sangue... e ele fazia a justiça.

O Riso Brutal

O desespero entra em minhas veias.
Meu coração, em forma de um punho fechado, acelera.
Pobre garota que possui um egoísta coração.
Meus pés movem-se desesperadamente.
Meus lábios batem-se no peito do psicopata.
Ele ri.
Eu não grito,pois conheço a mente maldosa das pessoas.
Controlo os meus sentimentos.
O humano conta-me,através de sons guturais,todos os seus assassinatos.
Meus doces lábios contorcem-se de terror.
Eu corro.
Foi um erro.
Ele corre.
A faca,já enferrujada por ter cortado tanta carne,atravessa a minha costela,rasgando-a brutalmente.
Sinto a maior dor da minha vida.
Eu grito.
O segundo erro.
Ele adora ver o sofrimento refletido na retina das mulheres.
Vejo o rubro sangue.
Em seguida meus castos lábios são cortados com os dentes do humano.
Vazio.
Silêncio.
Meu corpo,minha doce e inocente castidade...
Tudo isso se resume a um crime.
Minha mente se confunde.
A sinapse se transforma em um sopro de vida.
Ouço a risada de satisfação dele.
Memorizo sua face.
Atormentada e dissimulada.
Minha mente se perde.
Meu corpo...
Dias depois uma típica senhora o vê.
A podridão é apenas o que resta.
A podridão exalada pela senhora.
Dias depois ela retorna ao humano.
Tudo retorna...

sábado, 15 de maio de 2010

O meu Passado Passou?

Às vezes preferia não saber
Que Einstein existiu e era um gênio.
Tampouco gostaria de viver
Na precariedade desse milênio.

Ah, Chaplin, como gostaria de te ver
Ouvir o teu silêncio eterno e doce.
Queria ter visto a Revolução nascer
E por ela entregar o meu corpo à foice.

Machado de Assis eu queria ler
Mas presenciando lentamente o pensar das palavras.
Lispector eu queria saber fazer
Costurando sensivelmente o temor das desgraças.

A globalização assassinou
A calma, a beleza e a observação.
Foi quando o poeta proclamou:
-Acho que já vi de tudo, meu irmão!

Voo

O cheiro da chuva se instala em mim.
O verde das folhas sussurra pra mim:
“Vam’bora que agora é a hora do fim”.
Sem nada, correndo, eu parto enfim...

Me escondo,na terra,temendo o zunir
dos raios lá fora e dentro de mim.
Um pássaro avisto e começo a sorrir.
Sinal de que a água não será o nosso fim.

Mas vem, como gente, a nos amedrontar.
A menina aqui dentro só sabe sonhar.
Derruba a fúria nas casas sem fim,
esperançando adentrar em um coração de marfim.

Os raios solares consigo avistar.
A fúria do vento cansou de bailar.
Mas em meu coração um ar se instalou.
Foi o tempo, ingênuo, que o amor encontrou.

Escrever

Escrever é algo humano
Porém não tão insano
Quanto a vida que levamos
E o bem que maltratamos.

Escrever também é errar
Posto que todo o amar
É fruto do erro de um lúcido olhar.

Escrever é o erro em pessoa
Relatar loucamente é justamente o que magoa
A tal da felicidade em Lisboa.

Ninguém, alienado, pode escrever
Entretanto, todos os seres devem conhecer
Como é ter o poder daquela coisa chamada saber
Que a elite utiliza para se fortalecer.

Cega e Bonita

Vendem sua alma por um prestígio social
Apunhalam os amigos por um motivo banal
A elite, cega e bonita, abraça
O mulato que se queima na brasa
Sob os olhares dos burgueses
E para a alegria dos fregueses.

Cega e bonita, a sociedade caminha
Desprezando os mortais que ilumina
O vinho e a água são infinitos!
E padecem nas mãos dos desperdícios.
Afinal, quem com o descalço se importa?
Se ele não tem botas, só chacota...

A elite que evolua!
Pois, em termos de finura
O mulato ganha pela sua falta de brancura.
A água pura que dilua!
Os pensamentos embebidos pela rua
Numa noite tétrica sem lua.

Futuro

O desespero se aproxima
A rima torna-se escassa
A tremedeira evidencia
A valsa que é destroçada.

Os meses são testemunhas da desgraça
Que,inevitavelmente,toma conta de tua face.
Teus olhos são os assassinos da graça
Que termina por ser invadida pela mediocridade.

As retinas são sempre as culpadas
Por todo o mal que transmitem
Posto que são sempre ocultadas
Pelos hipócritas que fingem.

Os dias são sempre maculados
Pelos atos impuros
Diariamente assassinados
Pelos cidadãos sem futuro.

Psicologia Tépida

Catatônica,olhava
No fundo amava
A lazeira vital
Presente no riso brutal

Aos domingos sofria
Pelo televisor que sorria
Alienando os mortais
Sobre questões sociais

Por fim,todos os dias ia
Cumprir a sua cidadania
Alimentando os animais
Das favelas estatais.

Victório Sarkis

He was kind, he was generous, A truly gentleman. He was my man, he was gorgeous, A real trust man. Great adventures we had toget...